Copa do Mundo: Quem é Hervé Renard, aventureiro que jogou com Zidane e comanda a França

Técnico da Arábia Saudita no Mundial do Catar, Renard assumiu a seleção feminina da França para estancar uma crise de relacionamento

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Campinas, SP, 28 – A pouco mais de 24 horas antes do começo da partida entre Brasil e França, no Sun Corp Stadium, em Brisbane, o técnico francês Hervé Renard ainda procurava despistar sobre a escalação – ou não – de Wendie Renard, a zagueira e capitã da sua equipe. Segundo ele, momentos antes do início da partida deste sábado, um último teste será feito com a jogadora.

A tendência será Wendie Renard jogar, desde que tenha condições mínimas para isso, e sua lesão no tornozelo não corra o risco de se agravar para o restante da Copa do Mundo feminina. Isso mostra o tamanho da confiança na vaga do time francês que, assim como o Brasil, está atrás de sua primeira conquista.

“É a Wendie quem melhor conhece as reações e o comportamento do seu corpo, tem muita experiência: após o teste que nossos médicos farão antes do jogo”, disse Hervé Renard. “Caberá a ela a palavra final”. A dúvida sobre se a capitã da França atuará contra o Brasil encerra uma fase de preparação complicada. Desde que o técnico da seleção francesa assumiu a equipe, uma onda de contusões tem prejudicado o seu trabalho. Em maio machucaram-se, com gravidade, as atacantes Delphine Cascarino e Marie-Antoinette Katoto (titulares, ambas sofreram ruptura no ligamento).

Depois, às vésperas da viagem para a Austrália, outro corte: no treinamento na véspera do último amistoso, contra o próprio país anfitrião, outro destaque do time, a meia Amandine Henry, que estava se recuperando de contusão no joelho, foi cortada por causa de uma lesão muscular e nem viajou com a delegação. “Era o pior momento para termos um desfalque como este, mas teremos de encontrar soluções, em vez de ficar lamentando”, disse Renard.

Segundo ele, a inspiração para superar tantas ausências pode vir da seleção masculina da França, que disputou a Copa do Mundo do Catar, em 2022. Também dizimada por uma série de lesões que tirou de campo titulares indiscutíveis como o atacante Benzema, o volante Kanté e o lateral Lucas Hernández, o time comandado pelo técnico Didier Deschamps quase ganhou o título mundial, perdido para a Argentina na disputa por pênaltis. “Se eu conseguir fazer o mesmo percurso que o Deschamps fez, será um sucesso”, disse Renard.

Segundo ele, a lição a se aprender com o percurso da França na Copa do Mundo do Catar é que o grupo não deve pensar em quem ficou fora, mas no que cada jogador que ainda está envolvido na disputa pode fazer de melhor. “União e espírito de equipe podem construir sonhos e vitórias”, ele gosta de dizer. “Eu mesmo, como novato que sou no futebol feminino, tenho muita sorte de ter encontrado a comissão técnica que encontrei na seleção francesa”.

AVENTUREIRO

Técnico da Arábia Saudita no Mundial do Catar, Renard assumiu a seleção feminina da França para estancar uma crise de relacionamento. Em fevereiro deste ano, as principais jogadoras da equipe – entre elas a zagueira Wendie Renard, as meias Amandine Henry e Kadidiatou Diani e artilheira Eugénie Le Sommer (177 convocações e 88 gols) – entraram em choque com Corinne Diacre, treinadora da seleção desde agosto de 2017.

A crise chegou a um ponto tão sério, que as jogadoras postaram nas suas redes sociais um boicote ao Mundial de 202, com palavras duras. Em fevereiro, a capitã da França, Wendie Renard, disse que boicotaria a Copa para “proteger” sua saúde mental.

As jogadoras questionavam o estilo de liderança da técnica, que havia destituído Wendie de ser a capitã da equipe, função que ocupava desde 2017. Depois, devolver a braçadeira a ela em 2021, mas a relação já estava deteriorada. A meio-campista Amandine Henry (que perdeu a Copa devido a uma lesão na panturrilha) disse que a atmosfera tensa fez com que ela e outras jogadoras chorassem em seus quartos durante o torneio de 2019.

Depois que Wendie declarou que não jogaria mais pela seleção, o presidente da federação francesa, Philippe Diallo, formou um painel de quatro pessoas para investigar o que estava acontecendo. A conclusão foi de que havia “problemas irreversíveis”. Diante da situação cada vez mais insustentável para a treinadora, a Federação Francesa de Futebol decidiu pagar 870 mil euros de indenização à Corinne Diacre e demiti-la.

Para o lugar de Diacre, no início de abril, os cartolas decidiram apostar em Hervé Renard (ele não tem parentesco com Wendie Renard). Apesar de ser completamente desconhecido no futebol feminino, aos 54 anos, Renard tem uma carreira longa e movimentada. Nos seus tempos de juvenil, jogou, em 1984, na seleção francesa ao lado de Deschamps. Cinco anos depois, já como profissional, no Cannes, então na primeira divisão da França, treinou ao lado de Zinedine Zidane, então um novato no grupo.

Quase sempre na reserva nos seus tempos como jogador profissional, Renard acabou tendo uma nova vida futebolística quando foi convidado para ser assistente de Claude Leroy, uma lenda entre os técnicos franceses, na África. E o pupilo saiu-se melhor do que o mestre: Renard foi o primeiro técnico de futebol a ganhar duas Copas da África de Nações com duas seleções diferentes (em 2012, com a Zâmbia; em 2015, com a Costa do Marfim), dirigiu o Marrocos na Copa da Rússia em 2018 e a Arábia Saudita no Mundial do Catar.

Foram os sauditas os únicos a ganharem da campeã Argentina no ano passado. Agora, este francês de espírito andarilho e aventureiro da bola quer conquistar outras proezas, no Mundial Feminino da Austrália e Nova Zelândia.