Fifa cria fundo para auxiliar atletas com problemas salariais e mostra sua verdadeira face

Este fundo vem para, de certa forma, enfrentar o que vem ocorrendo reiteradamente no mundo do futebol

Este fundo vem para, de certa forma, enfrentar o que vem ocorrendo reiteradamente no mundo do futebol

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Por Guilherme Martorelli

Campinas, SP, 18 (AFI) – A Fifa, por solicitação da FIFPro (Sindicato Mundial de Atletas) criou o FIFA FFP, um fundo para oferecer assistência econômica aos atletas que venham a ter problemas com falta de pagamento de salários em clubes que deixarem de existir.

CENÁRIO MUNDIAL

Este fundo vem para, de certa forma, enfrentar o que vem ocorrendo reiteradamente no mundo do futebol, que é a falta de cumprimento de contratos de trabalho por parte dos clubes.
Este problema não é privilégio do Brasil, há casos semelhantes também pela Ásia, África e em países menores da Europa.

Em termos europeus, há que se destacar que no primeiro mundo da bola não existe atrasos salariais, e quando acontece, o rigor das regras faz com que haja uma reparação em tempo breve.

Na parte que compõe a Europa, mas não no primeiro mundo do futebol, a rigidez da regra de responsabilidade já fez com que diversos clubes tivessem que se estruturar minimamente para poderem participar, caso contrário, não participam.

Guilherme Martorelli (Foto: Fabio Giannelli / Soccer Digital)

Guilherme Martorelli (Foto: Fabio Giannelli / Soccer Digital)

PROBLEMA CRÔNICO

A ação da criação do fundo mostra, notadamente, que a FIFA, ao aceitar sua incompetência por não conseguir resolver um problema que se tornou crônico que é o atraso de pagamentos dos salários dos jogadores, quer parecer uma “entidade boa, respeitosa e que se preocupa”. Quer passar uma imagem que não compõe sua face e tenta comunicar o conteúdo de forma distorcida sem verdadeiramente assumir o dever de sua função.

Neste momento não foram dadas muitas informações. Só se sabe, sem detalhes, que este fundo será revertido para casos de descumprimento salarial. É justamente na falta de detalhes que se forma a comunicação distorcida.

O cenário é mais ou menos assim. Para se ter uma pequena ideia do que acontece nos últimos 5 anos, mais de 50 clubes de 20 países diferentes encerraram suas atividades deixando sem satisfação as dívidas contraídas com atletas que prestaram seus serviços profissionais, e que mesmo tendo trabalhado em terras estrangeiras, não tiveram a condição de seu autossustento.

É evidente que não se tira a importância da ação, mas ela é incompleta e não resolve o problema estrutural no eixo do futebol mundial. Nenhum clube poderia participar de competição profissional de futebol sem que tivesse condição físico-financeiro para isso.

Se a UEFA impõe tal exigência, e lá as coisas funcionam, por que a FIFA não faz o mesmo em escala mundial?

A resposta é simples. Para impor tal condição, ela perderia seu poder político, além de perder os votos das Confederações que mantém clubes sem estrutura, e que por sua vez, não possuem condições de participar.

Um poder político construído numa base nada sólida de troca de favores, dos acertos para ganhos ilícitos. Nunca é demais lembrar que essa trama já foi desbaratada pelos Estados Unidos e que se esfacelou facilmente quando caiu na mão de gente séria.

Em resumo, se a troca de favores continua fácil, conclui-se que o escândalo que veio à tona recentemente teve apenas uma pequena interrupção porque as munições não foram aniquiladas. O “sistema” pode voltar a acontecer em qualquer momento e parece que é isso que se pretende.

APENAS EM ALGUNS CASOS

Uma questão importante e talvez não compreendida na informação, é que o tal fundo se limitará aos jogadores que não receberam seus salários naqueles casos em que os clubes deixaram de existir. Não será válido para os jogadores que trabalharam para os clubes que se mantiverem “devendo, mas vivos”.

Ainda é importante destacar que somente terá possibilidade de acesso ao fundo o jogador que levar seu caso à Câmara de Resolução de Disputas (CRD) da FIFA, condição somente permitida em transferências internacionais, ou seja, os jogadores locais nunca terão acesso.

Assim, mais uma situação criada que escancara a real posição da FIFA, que é extremamente discriminadora e não se interessa em elevar o nível das relações do esporte em que ela se tornou dona, infelizmente.

Vale esclarecer que esse movimento inicia-se há tempos depois de muitas cobranças por parte do Sindicatos de Atletas SP, desde que seu presidente, então vice-Presidente da FIFPro e árbitro do CRD-FIFA, cobrava uma postura mais enérgica das duas entidades, inclusive sugerindo que a própria FIFA suprisse a falta dos pagamentos dos clubes indenizando os jogadores, uma vez que a entidade máxima do futebol, assim como suas entidades continentais e nacionais, corroboram com estas atitudes inescrupulosas de permitirem a participação dos clubes que não têm dinheiro para pagar os salários dos atletas, porém seguem contratando novos jogadores quando é de seu interesse.

Esse fundo, que coloca à disposição do inadimplemento mundial a quantia ínfima de 16 milhões de dólares frente os bilhões que arrecada, mostra que a FIFA não dá mesmo importância para os jogadores. Ela dissimula preocupação, sendo que há mais de 15 anos os problemas de falta de pagamento de salários no mundo do futebol foram detectados, e de lá para cá continua crescendo.

Não se pode esquecer que o órgão que detectou o problema, a CRD – Câmara de Resolução de Disputas, que é o órgão responsável em solucionar conflitos entre jogadores e clubes quando eles surgem em transferências internacionais – foi uma imposição do Tribunal da Comunidade da Europa depois da sentença Bosman, o que a FIFA se viu obrigada a aceitar, caso contrário, até hoje a situação seria a mesma.

CRIAÇÃO DO FUNDO

A criação desse fundo chama a atenção para o que ocorre bem embaixo do nariz da entidade mundial e escancara a sua negligência letárgica que chancela a participação de inescrupulosos clubes atolados em dívidas, que são perfeitos em continuar aumentando a sua irresponsabilidade.

Trazendo a situação para o nosso quintal, como exemplo, sabe-se que todos os clubes da primeira divisão nacional têm dívidas com o FISCO e/ou justiça trabalhista, sendo que ela – FIFA – não proíbe a participação e nem cobra uma postura coerente da Confederação Brasileira de Futebol.

Vale ainda mencionar que os países que mantém esses tipos de clubes, aqueles que encerram suas atividades desaparecendo, sem assumir seus compromissos, são aqueles que quase não figuram no contexto expressivo do futebol mundial ou são aqueles que há um bom tempo não conseguem um título de expressão.

Aqui podemos citar o Brasil e a Argentina. Porém, mesmo sem que a maioria tenha uma posição de destaque futebolístico, poderia ter papel de destaque no respeito ao ser humano.

Note-se que, mesmo com todos esses problemas detectados, nenhum país foi sancionado e eles continuam fazendo parte da comunidade mundial do futebol.

A única confederação que entende a importância disso é a da Europa (UEFA) que cedeu seu Secretário Geral para a presidência da FIFA e que estranhamente mudou seu comportamento, não só quanto a isso, quando assumiu o maior posto do futebol mundial.

Esse fundo também permite outro grande embuste no futebol, que é o clube fechar e desaparecer sem pagar ninguém e voltar como um “novo clube”, uma nova marca.

Assim sendo, ele desaparece e surge com um novo número de registro de abertura, que no nosso caso é o CNPJ, sendo que a licença na confederação (no nosso caso a Federação) para disputar a competição profissional é a mesma do clube desaparecido.

Não precisa ir longe para constatar tal afirmação. No interior do Estado de São Paulo já houve vários casos.

O acordo entre as entidades prevê a criação de um comitê, formado por representantes da FIFPro e da FIFA para tramitar, avaliar e atuar frente as solicitações de assistência econômica requeridas à FIFA FFP. Mas, de antemão, já esclarecem que estes auxílios financeiros não têm a função de cobrir as dívidas de maneira completa, mas sim funcionar como uma medida paliativa.

16 BILHÕES DE DÓLARES

A previsão é que este fundo tenha cerca de 16 milhões de dólares até 2022, valores estes que serão encaminhados para atletas com problemas, retroativamente, desde 2015 com seu limite no próprio ano de 2022.

O FIFA FFP terá seu início em 01 de julho de 2020.

É importante esclarecer que hoje os atletas podem ter suas reivindicações de contratos com clubes levados à FIFA, no caso ao CRD, órgão arbitral que julga casos de dívidas contratuais na FIFA. No entanto, o atleta tem que ser de nacionalidade diferente ao clube que atua. Isso quer dizer que brasileiros que estão jogando ou jogaram em qualquer parte do mundo e que tiveram seus clubes fechados ou falidos, podem solicitar esse benefício.

Como dica aos atletas, que fiquem atentos. Assim que tivermos mais detalhes, informaremos imediatamente.

Agradecemos à FIFA pela possibilidade de tantos esclarecimentos.
Guilherme Martorelli
Coordenador Jurídico Sindicato de Atletas

Sobre Rinaldo José Martorelli : É ex-futebolista atualmente é o presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo. E também preside o Sindicato Nacional dos Atletas Profissionais (SINDATLETASPRO).

Foi Presidente da Federação Nacional de Atletas, presidente da FIFPro América, vice mundial da FIFPro.

Formando-se bacharel em Direito em 1999, na Universidade do Grande ABC. Em 2003 concluiu a pós-graduação em Direito Desportivo pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, elaborando seu trabalho final acerca da relação de trabalho do atleta de futebol profissional.

No início de 2010 tornou-se Mestre em Direitos Fundamentais pelo Centro Universitário FIEO, elaborando a dissertação “A restrição de liberdade contratual do atleta profissional no âmbito dos direitos fundamentais”.

Sobre Guilherme Martorelli: Advogado – Mestre em Direito Desportivo Internacional e Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Coordenador do Depto. Jurídico do Sindicato de Atletas SP; Coordenador do Mestrado em International Sports Law – Universidad de LLeida;, Auditor Pleno do TJD da Federação Paulista de Voleyball.