Especial! Por que é tão bom ser um atleta profissional?

O profissionalismo ajudou o futebol a vencer o elitismo, preconceito e racismo no Brasil

Nada é mais comum no futebol atual que um jogador trocar um clube por outro em busca de milhões que garantirão o seu futuro e de seus filhos por muito tempo

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Campinas, SP, 10 (AFI) – Nada é mais comum no futebol atual que um jogador trocar um clube por outro em busca de milhões que garantirão o seu futuro e de seus filhos por muito tempo, mas esta conquista do atleta profissional, seja no futebol ou em qualquer outro esporte, sobretudo coletivo, não aconteceu de um dia para outro. Nesta terça-feira, 10 de fevereiro, se comemora no Brasil o dia nacional do Atleta Profissional, uma data não apenas de comemoração, mas também de lembrança de uma classe que luta tanto quanto ou até mais que qualquer outra pelo seu reconhecimento.

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O futebol é o maior fenômeno social do Brasil. Não apenas por toda a massa envolvida no esporte, mas pela identidade reconhecida nele e principalmente pela história de sua evolução no país. De um jogo praticado por marinheiros a maior expressão popular, o esporte venceu o amadorismo, o preconceito, o racismo e até a elitização. Se hoje o atleta profissional goza de leis que lhe protegem e de direitos trabalhistas, ele precisou vencer obstáculos que passavam por coronéis, machistas e até aproveitadores.

CHARLES MILLER, O PAI DA CARTOLAGEM
Apontado por muitos como o “pai do futebol brasileiro”, o descendente de ingleses Charles Miller ajudou sim a fazer o esporte ganhar força no país. Marinheiros que deportavam nos principais portos brasileiros, entretanto, já praticavam um jogo que envolvia uma bola, chutes e traves. Na definição dos jornalistas Jones Rossi e Leonardo Mendes Júnior, autores da obra Guia Politicamente Incorreto do Futebol, Miller merece seus méritos, mas por ser o “pai da cartolagem no futebol brasileiro”.

Charles Miller: o pai da

Charles Miller: o pai da “cartolagem”

A definição é simples. Charles Miller foi a primeira pessoa a documentar campeonatos, números e principalmente escrever regras claras de futebol. O descendente de ingleses era tão apaixonado pelo esporte, que conseguiu tornar um simples jogo em um esporte sério no Brasil, influenciando diretamente nas Ligas Amadoras, que nasceriam principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Não fosse a vontade de Charles Miller de documentar e tornar a “brincadeira séria”, o que é hoje é considerado o principal esporte do país, demoraria ainda mais para se tornar algo no mínimo amador.

PROFISSIONALISMO COMEÇA A VIRAR REALIDADE
O descendente de ingleses teve uma enorme importância para o crescimento do futebol como expressão nacional, mas foi um dos que mais lutaram para que ele permanecesse no amadorismo. Miller temia que Ligas Independentes, que incluíssem clubes profissionais transformasse o futebol não mais em um esporte, mas sim em um negócio, como já acontecia na Inglaterra.

O surgimento de craques, entretanto, impulsionou o futebol brasileiro ao profissionalismo. De elite, sobretudo por ser jogado em clubes, o esporte ganhou ares profissionais no início da década de 1920. Ao perceber que poderia convencer jovens do subúrbio carioca e filhos de empregadas da lavoura por valores irrisórios, o Vasco da Gama montou um verdadeiro esquadrão em 1923.

O mesmo acontecia com o Corinthians em São Paulo. Fundado em 1910 por trabalhadores de indústria, em sua maioria descendentes de espanhóis, o clube paulista passou a enfrentar de igual para igual times totalmente elitistas, como o São Paulo da Floresta e o Germânia. Jogadores do clube Alvinegro, até então desprezado exatamente por ser popular, passaram a ser requisitados por torcedores dos times campeões da época. Como os atletas não tinham condições de se locomoverem para lugares mais longes, a solução encontrada foi dar pequenos pagamentos para convencê-los. o futebol ainda era amador, mas o salário começava a existir.

“Desaparecera a vantagem de ser de boa família, de ser estudante, de ser branco. O rapaz de boa família, o estudante, o branco, tinha de competir, em igualdade de condições, com o pé-rapado, quase analfabeto, o mulato e o preto para ver quem jogava melhor. Era uma verdadeira revolução que se operava no futebol brasileiro”, escreveu Mário Filho, um dos principais jornalistas da década de 1920, que hoje dá o nome ao Maracanã.

FRIEDENREICH E LEÔNIDAS DA SILVA
Ainda que o futebol caminhasse para o profissionalismo, faltam craques de verdade para despertarem a vontade de todos os clubes me contarem com eles. O primeiro ídolo do futebol brasileiro depois de Charles Miller, Arthur Friedenreich mudou este panorama. Artilheiro nato, o atacante filho de um alemão iniciou a carreira no Germânia, mas foi craque no Paulistano, São Paulo, Ypiranga, Payssandu, entre outros clubes paulistas, cuja maioria deixou de existir com o final do amadorismo.

Friedenreich, o artilheiro do futebol amador

Friedenreich, o artilheiro do futebol amador

Todos gostariam de contar com Friedenreich, mas como convencê-lo a vestir a camisa de seu clube sem um pagamento? O atacante foi, portanto, um parco para o crescimento do profissionalismo no futebol, mas ele conseguiria mais que isso, afinal foi o primeiro a provar, em um país recém saído da escravatura, que o negro poderia ser comparado ou ser até superior ao branco. Não fosse a sua ascendência alemã por parte de pai, o primeiro ídolo brasileiro jamais atuaria em um clube de elite como o Germânia, afinal sua mãe era uma ex-escrava negra. Não foram as poucas vezes que ele precisou passar pó de arroz pelo corpo para esconder a cor mulata de sua pele.

Quebrado (em partes) o racismo e a elitização no futebol com Friedenreich, outro negro ganhou não só notoriedade, como foi o primeiro jogador a ser explorado declaradamente pelo marketing. Mundialmente conhecido como o inventor da bicicleta, Leônidas da Silva está na lista de maiores craques da história de clubes como Flamengo, Botafogo e São Paulo. o Diamante Negro, como era apelidado, tinha tanto potencial publicitário pela sua idolatria, que um chocolate (vendido até hoje) foi criado em sua homenagem. Há maior profissionalização para um jogador de futebol do que utilizá-lo como peça publicitária?

PROFISSIONALISMO FECHA CLUBES VENCEDORES
Em 1932, um grupo de jogadores publicaram no jornal Gazeta Esportiva um manifesto onde pediam pelo direito de exercer sua profissão de jogador de futebol. Ao clamor desses futebolistas foram se juntando também dirigentes de clubes, insatisfeitos com a situação de um ‘amadorismo marrom’, que não era nem um amadorismo, mas também nem um profissionalismo. Para tais, a profissionalização poderia transformar o esporte num espetáculo e sobretudo assegurar a permanência dos craques nas equipes.

Diamante Negro foi criado com o

Diamante Negro foi criado com o “marketing” de Leônidas da Silva

Resistindo ao não pagamento de salários aos seus jogadores, clubes tradicionais, campeões dos principais torneios da época, como Ypiranga, Paulistano e São Paulo da Floresta,acabaram perdendo os seus principais jogadores aos “times profissionais”. Sem condições de se manterem com forças, esses esquadrões se desfizeram e muitos chegaram inclusive a extinção.

Isso se acentuou com a chegada de Getúlio Vargas à presidência em 1930. Considerado nacionalista, o presidente gaúcho enxergava um futebol como um ótimo difusor de massa e suas ideias de direitos trabalhistas entraram de vez no que já era o principal esporte do país, ainda mais com a criação da Copa do Mundo no mesmo ano.

O FUTEBOL PROFISSIONAL HOJE
Por mais que o futebol e outros esportes tiveram que passar por todos esses percursos, vencendo todos os fenômenos sociais e econômicos, a lei nº 9615, que reconheceu a profissão de atleta profissional só foi reconhecida no Brasil no dia 10 de fevereiro de 1998, ano em que o país já era tetracampeão mundial e via o seu maior ídolo, Ronaldo, ganhar milhões na Europa ao lado de outros craques da época, como Rivaldo, Giovanni e Roberto Carlos. Por este motivo, a partir desta data, se comemora o dina nacional do atleta profissional.

Ver o futebol hoje sem imaginá-lo profissional é praticamente impossível, ainda mais com a quantidade de denúncias e provas de enriquecimentos de empresários, dirigentes e mesmo jogadores por meio do esporte.

Ronaldo: milionário antes dos 20 anos

Ronaldo: milionário antes dos 20 anos

A criação da Lei Pelé, também em 1998, que acabou com o direito de passe do atleta pelos clubes, aumentou ainda mais o direito dos jogadores, mas praticamente colocou o futebol, sobretudo brasileiro, na lama. Clubes-empresas surgiram ao monte e ao mesmo tempo, clubes tradicionais, como União São João e XV de Jaú, tiveram o mesmo destino de Germânia, Ypiranga e Paulistano. Ou seja, foram das glórias ao caos, engolidos pelo capitalismo feroz de um profissionalismo mal dirigido.

Diante de tantas conquistas, vitórias e lutas, o Portal Futebol Interior faz a sua homenagem a você, atleta profissional de futebol. Que o seu reconhecimento vá muito além do dia 10 de fevereiro. Obrigado pelas alegrias e batalhas. Obrigado por ajudar o futebol a se tornar a maior expressão popular do país. Que o elitismo das novas arenas não levem tudo isso ao desmoronamento. Friedenreich e Leônidas já mostraram que o esporte vai muito além de qualquer classe social.

Há 15 anos o Portal FI tem suado a camisa para promover e divulgar o futebol.E você corre para fazer a alegria do torcedor. Parabéns pelo seu dia!