Edgard Soares: A crônica esportiva ficou menos inteligente

Quando conheci Dalmo, ele já era famoso e respeitado no jornalismo. Nunca mais vi nenhum colunista semelhante.

Quando conheci Dalmo, ele já era famoso e respeitado no jornalismo. Nunca mais vi nenhum colunista semelhante.

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Por EDGARD SOARES

Dalmo Pessoa de Almeida nos disse adeus.

Estava acamado há mais de um ano, vítima de um agressivo AVC. Para seus familiares, ele descansou.

Quando conheci Dalmo, ele já era famoso e respeitado no jornalismo.
Havia criado personagens como O Sombra, a Raposa Felpuda, entre outros, que povoavam suas crônicas e contavam segredos de bastidores dos clubes.

Nunca mais vi nenhum colunista semelhante.

Dalmo: jornalista culto

Dalmo: jornalista culto

Possuía uma seção chamada “Gente Boa de Bola” no Notícias Populares, jornal de grande venda em banca e foi o primeiro jornalista a fustigar os dirigentes esportivos, denunciando seus erros e eventuais desvios de conduta.

BRILHOU NO NOTÍCIAS POPULARES

A seção de esportes do Notícias Populares era chefiada por Ruy Falcão. Sim, este mesmo
que se tornou presidente do PT por vários anos e que já militava naquela época em grupos clandestinos de oposição ao Governo Militar.

Muitos “jornalistas”, assim mesmo entre aspas, que vieram anos depois a se auto-intitular investigativos, naqueles dias dedicavam-se a fazer matérias bajulativas de craques de futebol, de dirigentes esportivos como Adilson Monteiro Alves de conhecida biografia como deputado estadual e, acredite se quiser, de cartolas como Arthur Nuzman (denunciado e preso recentemente por fraude na escolha da Olimpíada do Rio).

Tudo numa revista colorida da Editora Abril, onde também se dedicavam a importante tarefa social de escolher quem ganharia chuteiras de ouro no final do ano, a fazer reportagens de vida privada de jogadores ou a organizar no particular feiras comerciais em cima da figura do Rei do futebol e a faturar com o evento.

JORNALISMO DE QUALIDADE
Dalmo, ao contrário, só fazia bom jornalismo.
E protegeu e livrou da prisão pelo menos dois jornalistas: o próprio Ruy Falcão e Albino Castro Filho, de serem presos pelos órgãos de repressão daquele início dos anos 70.

Avisando-os a tempo na redação de que membros do temível DEOPS estavam subindo as escadas do prédio da Folha de São Paulo, entrando no mesmo pela Alameda Barão de Limeira, guiou Ruy e Castro pelos corredores e labirintos do velho edifício e os levou até a saída da Alameda Campinas, por ponde os dois desapareceram: um, pela avenida São João, outro pelo Largo do Arouche, avenida Ipiranga e Rua da Consolação.

Enquanto isso, Dalmo voltava às pressas para a redação do Notícias Populares e informava aos agentes que Ruy e Castro estavam fora, fazendo reportagens, mas que voltariam dali a pouco. Depois de esperar por duas horas, os agentes desistiram e foram embora prometendo voltar.

PROTEÇÃO AOS AMIGOS
Ficou famosa, entre os jornalistas da Folha da Tarde, todos de esquerda, que funcionava um andar acima do Noticias Populares, a coragem de Dalmo de sair do jornal naquela noite com um mimeógrafo comprometedor e jogá-lo no Rio Tietê de cima da ponte da Vila Guilherme, quando ia para casa na Alto da Penha, onde sempre morou.

Ruy, o dono do mimeógrafo, foi preso cerca de um mês depois e cumpriu pena em um quartel no Rio Grande do Sul. Onde, segundo ele, passava todo o tempo jogando futebol de salão com soldados e tenentes. Ué, não tinha tortura?

Dalmo nos anos 70

Dalmo nos anos 70

Saindo da prisão, ileso e bem fisicamente pela prática diária de esporte, Ruy virou diretor da revista Exame. Uau! publicação que enaltecia grandes empresários. Ou seja, socialista, pero no mucho. Mas saiu da recaída quando o PT chegou ao poder.

Castro escondeu-se em minha casa, na Rua Cardoso de Almeida, não saiu de lá por uma semana e me pedia todo dia, para comprar o sanduíche Bauru, o verdadeiro, no Ponto Chic do Largo Padre Péricles, a uma quadra de minha casa. Saiu do esconderijo para pegar um ônibus para o Rio de Janeiro e em seguida, para a Bahia.

Arrumou um emprego como correspondente na Europa e lá ficou por dez 10 anos. Voltou para ser diretor de jornalismo do SBT e “inventar” um apresentador de telejornal chamado Boris Casoy, até então diretor-responsável da Folha de São Paulo e que nunca havia falado na televisão. O melhor é que deu certo, nasceu ali o primeiro Ancora da TV, aquele apresentador que sabe o que está lendo. E até comenta.

Castro é meu querido amigo e parceiro até hoje. E também colabora com o Futebol Interior.

Dalmo Pessoa em 2017 na festa de fundação da ACEISP em Campinas

Dalmo Pessoa em 2017 na festa de fundação da ACEISP em Campinas

DESTAQUE EM RÁDIO E TV

Dalmo, o eterno gente boa, prosseguiu sua vida no jornalismo na rádio Bandeirantes, onde também estava Flávio Adauto, amigo dos tempos da Folha da Tarde e tiveram longa convivência profissional lá.

Foi para a TV levado por Milton Peruzzi e se tornou a maior atração da Mesa Redonda da Gazeta, Canal 11, no tempo em que o programa tinha boa audiência.

Com a saída de Peruzzi, os apresentadores que o sucederam no comando da Mesa Redonda, nunca perdoaram o brilho maior de Dalmo em relação aos deles. Como se isso fosse um defeito.

Dalmo tinha um vocabulário melhor e maior do que os apresentadores, fluência ao falar e não apalpava com os dirigentes. Por conta de uma fofoca do dono de um restaurante português, no qual os integrantes da Mesa Redonda se encontravam depois do programa para jantar, Dalmo acabou demitido.

Em um destes jantares, cobrado por um dirigente do Corinthians sobre suas críticas, ele retrucou e as manteve durante o jantar.

O dono do restaurante, amigo de Sergio Felipe, o superintendente da Gazeta, contou a sua maneira a discussão e sobrou para Dalmo, que foi injustamente punido. Nem o apresentador do programa nem qualquer dos integrantes do mesmo, protestou ou tentou defender o colega, frise-se.

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NO INOVADOR ESTAÇÃO FUTEBOL

No Estação Futebol da Rede Vida, onde inventamos o horário de 2a. feira à noite ( O ‘Bem, Amigos’, sem vírgula num erro crasso de português) só surgiu dois anos depois.

Ali, ao lado de Juarez Soares e Orlando Duarte, Dalmo compôs a melhor equipe de comentarista deste modelo de programa. A cada semana, trazíamos outro bom jornalista, de outras emissoras para compor a mesa.

Foi no “Estação Futebol” que Dalmo deu o furo internacional da contratação de Vanderlei Luxemburgo pelo Real Madrid, da Espanha. Vanderlei estava sendo entrevistado no programa e Dalmo o surpreende com o furo.

No rádio, Dalmo foi com o parceiro de longos anos, Fiori Gigliotti para a Rádio Record e os dois ainda brilharam fora da Bandeirantes que os tinha consagrado.

NO PIONEIRO FUTEBOL INTERIOR

Excelente texto, culto, o Futebol Interior teve privilégio de publicar suas crônicas semanais, até a doença o impedir de trabalhar. Dalmo estava bem, alegre como sempre, contador de
histórias e muito atualizado. O AVC foi uma surpresa.

Tendo partido pouco mais de um ano depois de Juarez Soares, de quem era grande amigo, fico com absoluta certeza de que a crônica esportiva, perdeu em pouco tempo dois desses expoentes
insubstituíveis. Incomparáveis.

Vou ficando por aqui porque não quero chorar e ter de parar de escrever. Foi o que aconteceu quando falei horas atrás sobre o adeus de Dalmo com Milton Neves, longamente ao telefone, e nos emocionamos.

Vou inverter a emoção e pensar na felicidade que tive de conviver com homens como os dois, Juarez e Dalmo. E me sentir feliz por isso.

Afinal, ter vivido este privilégio não é pra qualquer um.