Treinador brasileiro no olho do furacão na América Central

Experiente Marcos Falopa comandava a seleção de Ilhas Virgens Britânicas e viu de perto os horrores dos furacões Irma e Maria

Experiente Marcos Falopa comandava a seleção de Ilhas Virgens Britânicas e viu de perto os horrores dos furacões Irma e Maria

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Campinas, SP, 24 (AFI) – Ele já superou vários adversários dentro de campo (e fora dele), em mais de 40 anos de futebol em todo o mundo, passando por quase todos os continentes do planeta, com reconhecido trabalho, desde mercados conhecidos como Europa e América, até “rincões”quase desbravados neste fantástico mundo da bola, na África e Ásia.

Porém,há algumas semanas, atrás, o treinador e diretor técnico, Marcos Falopa, 67, enfrentou um dos mais temíveis adversários de sua vida: um furacão. Aliás, sobreviveu a um e teve de driblar o outro, com toda a “ginga” que só um brasileiro tem.

“Cheguei a pensar que não sairia vivo. A gente vive neste mundo da bola e supera tantas adversidades em países com disputas de etnias, religiões,políticas, além de problemas da natureza – trabalhei no Japão ao lado do vulcão o Fuji em Shisuoka – quando dirigia o Nagoya Grampus, onde todos temíamos que fosse entrar em erupção a qualquer momento”, disse o treinador ao Futebol Interior, com exclusividade.

Mas enfrentar um furacão cara a cara foi a primeira vez e “me causou medo”, disse o treinadorbrasileiro,paulistano,que jogou futebol e iniciou sua carreira como treinador na base do Palmeiras.

CARA A CARA COM O IRMA
Falopa era Diretor Técnico e treinador da Seleção das Ilhas Virgens Britânicas, e recentemente estava formando a base e a Seleção Nacional Sub-15 com a qual disputou o torneio da Concacaf em Tampa, nos EUA. A equipe ficou em primeiro lugar no grupo no qual jogou, venceram três Seleções e perderam um jogo.

Terminado o torneio, voltamos para as Ilhas Britânicas e pouco depois fui informado que um furacão na categoria 2 poderia atingir o pais na segunda semana de Setembro. Recebi várias dicas do pessoal que morava lá e estava acostumado com isso, nos preparamos, mas aguardando somente pequenos danos.

Colocamos tábuas de madeira nas portas e janelas de vidro por precaução, mas até o pessoal local achava exagero, pois os furacões que passaram por lá eram em categorias menores. Conforme foi se aproximando a chegada do Irmã, ele foi ganhando força e passou a categoria 5 chegando lá, com ventos de mais de 280km/hora.

“Estava perplexo com a força do Irma, foram 5 horas de terror, das 12 às 17h do dia 6 de Setembro. Apesar de toda a preparação que houve antes da chegada, foi devastador. Não dá para expressar com palavras a força de um furacão. O olho do furacão passou sobre nós, o furacão levou tudo: telhados, arvores, casa, carros, caminhões, barcos, etc. “Uma coisa é você ver pela tevê e outra completamente diferente é estar sob um recorda o brasileiro”.

LIÇÃO PARA A VIDA
Seu trabalho vinha muito bem até a chegada do Irma. Tudo foi paralisado na região, inclusive as atividades de futebol – o prédio da Federação foi totalmente destruído, o campo de futebol virou heliporto para socorros, rede elétrica totalmente no chão; para a reconstrução do país e da região afetada disseram que levaria muito mais de 6 meses.

“É nesta hora que a gente conhece a importância de uma palavra: solidariedade.Nestes momentos, independente de credo, cor, raça, preferências políticas, o grande objetivo é de um ajudar o outro, salvar vidas, ser solidário. Essa foi a grande lição que tirei deste incidente e uma das mais importantes de minha vida”, comentou Falopa.

O treinador teve uma experiencia parecida em Mianmar, país do sul da Ásia continental, no início de 2008, com o furacão Nargis, quando dirigia a Seleção de Mianmar, mas por sorte chegou ao pais uma semana depois que o furacão havia passado.

“Esse de 2008 não foi nem perto do que vimos neste ano nas Ilhas Virgens Britânicas, além de um uma elogiável união da população. É preciso se destacar o trabalho do Exército Inglês que acompanhamos”, elogiou. “Tínhamos voltado com a seleção de uma excursão fora do país num torneio onde mesmo com um time em formação, ganhamos várias partidas de times tradicionais no futebol, num torneio com cerca de 40 equipes”.

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ISOLADO DE TUDO E DE TODOS
O lugar que Falopa ficou junto com sua esposa e o cachorro, os protegeu da Fúria do Irma, mas muita gente não teve o mesmo êxito e sorte. O Irma atingiu, segundo ele, asIlhas Virgens no dia 6 de setembro. Como geralmente ocorre nestas ocasiões, ficamos sem comunicação, sem energia elétrica e com escassez de água e alimentos. Graças à intervenção dos governos brasileiro e italiano, o governo das Ilhas Britânicas nos retirou de lá para Porto Rico, mais seguro naquela ocasião.

Os jogadores, em sua maioria foram paraos Estados Unidos e Inglaterra. Na ocasião, até navios ingleses vieram para ajudar no resgate, relata. O “day-after”, ao “olho do Irma, que ocorreu dia 6 de setembro, foi pior, segundo o treinador brasileiro.

“A situação era caótica em quase todo o país e a população, que foi duramente castigada. A inundação foi outro problema muito sério e a água atingiu mais de meio metro nas ruas da cidade. Quando estávamos dirigindo rumo ao local que iríamos ser apanhados para sair do país, o pneu de nosso carro furou. Achei que não sairíamos dali, mas vários moradores, mais uma vez mostrando a solidariedade nestas horas, nos ajudaram em Tortola, onde estávamos”, relembrou.

ESCAPANDO POR UM FIO DO “MARIA”
Saindo das Ilhas Virgens, Marcos Falopa conta que chegou a Porto Rico. “No entanto, na capital, ficamos sabendo que outro furacão estava muito próximo e atingiria o país nas próximas horas e com tamanho e força igual ao Irma, o Maria. Outro susto enorme e a correria para tentar arrumar um vôo para os Estados Unidos”

“Em Porto Rico ficamos num hotel próximo ao aeroporto para facilitar nossa saída. E depois de muito esforço conseguimos finalmente um vôo para Miami, Estados Unidos, dia 19 de setembro pela manhã, à noite o aeroporto fechou, o Maria chegou com categoria 5”, disse.

“Viajamos pela manhã, e escapamos por um fio deste segundo furacão, que chegou com força à tarde na capital de Porto Rico, e escapamos outra vez”, relembrou o brasileiro. Parecia fazer um gol no final da prorrogação, disse o treinador Falopa.

Querendo trabalhar no Brasil, Falopa embarcou dia 20 de setembro de Miami para São Paulo. “Aí sim, quando nosso avião pousou em solo brasileiro senti um alívio enorme. Por mais que tenhamos problemas no Brasil, seja com os políticos, etc., mas nada se compara ao que ocorrem em outros países, que ficam a mercê de desastres como esses furacões, sem poder fazer praticamente nada”, arregimentou.

O treinador falou da experiência de começar do zero num desconhecido país da Concacaf:“Realmente é um desafio, realizar um trabalho e ensinar futebol numpaís, onde os principais esportes são o basquete, o críquete, a vela, o atletismo e o futebol fica como quinta opção. Teve locais que tivemos que ensinar o beabá para os jovens de lá. Mas fizemos um bom trabalho e neste torneio internacionais ganhamos, inclusive de goleada, de equipes já formadas e tradicionais, o que valoriza de sobremaneira o que fizemos.

O brasileiro disse ainda que logo que chegou ao Brasil teve um convite para trabalhar na Arábia Saudita, mas que preteriu, e que vai ficar uns tempos em nosso país para trabalhar aqui. “Voltei e quero trabalhar no meu país. Estou me recuperando do susto, mas em breve vou voltar à ativa e fazer o que eu mais gosto que é ensinar e treinar times de futebol. E trago da América Central uma lição de humanidade que nunca mais vou esquecer na minha vida”, finalizou.

CARREIRA
Formado em Educação Física na Universidade de Santo André,Marcos Falopa se especializou em futebol na USP e é graduado ainda na Itália e Espanha. Depois de começar no Palmeiras, Falopateve passagem por Santos, onde foi vice-campeão em 1995 como supervisor; pelo São Caetano (SAAD) e comandando no interior de São Paulo, clubes como Marília, União de Mogi ,Ponte Preta, Penapolense e Jacareí.

No Brasil fez parte da diretoria da ABTF, Associação Brasileira de Treinadores de Futebol. Foi observador internacional em nada menos que nove Copas do Mundo: Espanha (1982), México (1986), Itália (1990), Estados Unidos (1994), França (1998), Coréia/Japão (2002) e Alemanha (2006), África do Sul (2010) e Brasil (2014).

Trabalhou com equipes de base da Itália, comandou ainda a Seleção de Omã, de 2005 a 2006; diretor técnico da Seleção da África do Sul, de 2002 a 2004, e, ainda diretor técnico da CONCACAF (Confederação de Futebol da América do Norte, Central e do Caribe).

Falopa atuou num projeto da FIFA para a expansão do futebol para os quatro continentes e regiões mais diversas do planeta. E presta treinamentos e cursos na UEFA, na Inglaterra, Escócia, Turquia, Itália, Espanha, Finlândia e outros países.

Na África do Sul, classificou a seleção para a Copa da África e na CONCACAF atuou no desenvolvimento do futebol na região centro-americana num período onde o México foi campeão da Copa das Confederações em 1999, conseguindo melhoria no nível do futebol nesta região, fato que foi observado nas eliminatórias da Copa do Mundo de 2002 na Coréia e no Japão.